domingo, 11 de abril de 2010

O que deixa escapar o que contém

Posted in by Bruno Marconi da Costa | Edit

Vão aqui algumas reflexões avulsas... não existe, aqui, a necessidade de fazer um todo coerente e nem de dar uma conclusão sobre o assunto. Basta, somente, a reflexão, tanto minha quanto de quem lerá.

 

Esse ano, duas pessoas bastante distintas, sem qualquer relação direta entre elas (tirando o contato comigo), inferiram uma mesma questão a mim: "Bruno, você me acha fútil? Você não gosta de pessoas assim, fúteis, né?". Da primeira vez eu fiquei meio sem jeito de responder. Da segunda, com aproximadamente três meses intervalo para a primeira, eu estranhei.

 

Minha primeira reflexão é num campo mais mentalista: por que diabos me perguntavam aquilo? Minha opinião conta? Vai mudar alguma coisa minha opinião ser dada sobre um assunto tão pessoal quanto um estilo de vida? É claro que nada disso foi pensado por parte das pessoas que me interrogaram, e talvez esse tipo de pergunta seja mais por uma questão de insegurança do que por minha opinião em si.

 

O segundo ponto foi o valor dessa palavra: "fútil". Digo, é uma palavra de grande valor pejorativo, e acho que ninguém gostaria de ser chamado por ela. "Vai, me chama de fútil!". De acordo com o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, vai a definição:

1- que ou o que não tem importância ou mérito; inútil, superficial

2- que ou o que tem aspecto enganador, não inspira confiança, não tem constância; frívolo, leviano <atitudes, gestos>

3- que não tem valor; insignificante <pretextos, razões>

4- que naõ tem fundamento, profundidade; tolo, pueril <não conseguiu amadurecer seu projeto, acabou descartando-o por>

Etimologia: do latim futilis: que deixa escapar o que contém, indiscreto, sem autoridade, leviano, frívolo.

 

Ou seja, toda a definição aponta para a importância e a profundidade de algum gesto, razão, palavra, enfim, ato humano. Creio que, no "popular" (apesar de não ser uma palavra tão popular assim - whatever), relaciona-se àquela pessoa consumista que só pensa na aparência e nas coisas passageiras da vida. Descartam uma busca por conhecimentos mais teóricos e considerados intelectualizados (provavelmente mais no campo da Filosofia, Artes, História, Política), que seriam assuntos realmente "importantes" e "profundos" para um indivíduo não ser taxado como fútil.

 

Tudo isso aqui não é uma dúvida pessoal no sentido direto (creio que posso ser prepotente e pouco-humilde aqui e confirmar que não sou fútil), mas sim no sentido indireto: qual é a autoridade de alguém para definir o que é fútil? Se, hipotéticamente, eu confirmasse, ou seja, falasse "SIM, você É fútil!" - não que realmente elas sejam - eu estaria afirmando que não gosto de garotas que se arrumam e pensam na roupa que estão usando? Estaria mentindo, afinal, valorizo que as pessoas pensem em sua beleza. O que eu não gosto é que tornem isso um fanatismo.

 

O problema todo está aí: em colocar a aparência ACIMA de tudo. Cria-se máscaras, e viver de máscaras é viver no vazio. O vazio nos consome, e a máscara cai, uma hora ou outra. Por isso, não acho que seja uma preocupação válida. O importante é viver a vida sinceramente, fazendo o que acha que é certo, sem tentar prejudicar ninguém – a grande dificuldade dos fúteis, pois precisam do seu ego massageado para sustentar esse tipo de existência.

2 Comments


  1. Renato says:

    Abusou do academicismo no primeiro parágrafo =X haha

    Só pra acrescentar na conversa... essa questão da (in)segurança tem tudo a ver, na nossa cultura, com a aceitação social. "Se você é aceito pelos outros, você vale", esse tipo de coisa. Então, resumo que a opinião dos outros (de novo: na nossa cultura) vale sim. Mais naquele sentido geral de enquete: "meus amigos próximos me acham legal" ou "maioria das pessoas que me conhecem me acha gente boa".

    E fútil é o Qarab. :(

    12 de abril de 2010 às 06:45

  2. Céu do Entardecer says:

    E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa: uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância — irmãos siameses que não estão pegados.

    - Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. -

    12 de abril de 2010 às 19:36