quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Opinião: Sobre o povo e “seu” Estado

Posted in by Bruno Marconi da Costa | Edit

Algumas semanas atrás, estava eu e meus amigos estagiários do Colégio de Aplicação/UFRJ discutindo política, como geralmente fazemos quando não estamos corrigindo provas, assistindo aula ou lendo o magnífico jornal Meia-Hora. Eis que meu caro amigo Lucas Antunes, que diz ter uma posição política de centro (e não é umbandista e nem PMDBista), afirma uma parada que me deixou meio bolado: "a política só está assim porque o povo brasileiro é do jeito que é". Concordando com a afirmação de Lucas, minha outra companheira keynesiana Taís Brito repete as palavras da mãe: "Cada povo tem o governo que merece". Fui veementemente contra as duas inferências, levantando a bola: nós vivemos REALMENTE em um Estado Democrático?

Vou ser sincero e dizer que me assustei com tal posição vindo de exímios estudantes de História. Ué, com certeza eles sabem da herança política que o Brasil sofre desde os tempos de colonização. O que precisamos é relacioná-la a atual situação política brasileira. Não precisamos ir tão longe, visto que saímos a pouco de um golpe militar que continuamente levou a população a um afastamento da participação política (que tanto ocorria da década de 50 a meados da de 70). Alexis de Tocqueville diminuiu os efeitos a Revolução Francesa, falando que o resquício aristocrático do sistema feudal nunca deixaria a democracia surgir na França, e o lugar onde encontrou tal possibilidade foi nos recém-independentes (na época) Estados Unidos da América. Ele pode ter exagerado, mas que a história de um afastamento da população em relação ao poder leva a um empecilho sócio-político de uma efetiva atuação consciente dela sobre o Estado, ah, isso não deixa de ser verdade!

O povo brasileiro tem, sim, grande percepção política. Porém, sua percepção não é a mesma de uma classe média esclarecida (como a minha, a do Lucas ou da Taís). É só ter em vista suas necessidades específicas e o abandono pelas autoridades públicas, que só recorrem a elas para ser bucha de canhão ou massa de manobra para trampolim eleitoral. Aqui no Rio isso é claro, onde a ideologia da Casa Grande (ricaços de São Conrado) e Senzala (favela da Rocinha) se mantém de uma maneira, no mínimo, sinistra. O próprio sistema (“vai, Bruno, culpa o sistema!”) controla as variadas Senzalas do Brasil por meio de currais eleitorais, compra de votos, força da mídia (e essa talvez seja a mais importante) e promessas eleitoreiras populistas, mantendo as mesmas famílias no poder, na mais velha relação paternalista que tanto conhecemos.

Sem dúvida, também, não podemos nos esquecer que o Estado é uma luta por hegemonia (valeu, Gramsci!). Citá-lo como uma homogeneidade (apesar das ideias políticas estarem descarrilhando para um pragmatismo bem vergonhoso) é uma generalidade ainda muito forte. Ainda temos partidos que seguem, parcialmente, algum tipo de ideologia, mesmo que neo-liberais ou comunistas arcaicas. Mesmo assim, falar que todas as minorias e, principalmente, a maioria, tem sua representatividade lá no congresso é não observar o que rola de verdade, nesse mecanismo safado que tem coisas ótimas mas tem muitas coisas ruins.

Eu, como todo bom marxista, sigo acreditando que não há demo-cracia (sem alusão ao DEM, por favor!) se não houver igualdade social. Um pensamento um tanto quanto fora de moda, mas como não sou de subjulgar meus ideais para seguir tendências acadêmicas da crista da onda (perdoem-me os chartienianos!), não me preocupo. Afirmar que o governo é a cara de seu povo é afirmar que vivemos em uma democracia plena, onde as pessoas votam, em toda a sua autonomia político-social, em quem elas realmente acham melhores pro Brasil, é no mínimo esquecer de toda a história política que formou esse mosaico brasileiro. Em tempos que se mistura política, que desde o século III a.C. se relaciona com debate de ideias, com marketing pessoal, podemos falar em um governo efetivamente popular? Acho que não.

7 Comments


  1. Gabryel says:

    Excelente texto, se não fosse o coloquialismo excessivo do primeiro parágrafo eu sugeriria apresentá-lo como Carta do Leitor em algum veículo de comunicação.

    2 de setembro de 2010 às 05:58

  2. Marcelo Fernandes says:

    Boa discussão, Bruno. Não acho que o povo tem o governo que merece, mas creio que o nosso deveria ter uma consciência e atuação política mais engajada. Acho que nosso papel como educadores também passa por aí (vou inclusive "instigar" os alunos do 9º ano quando for dar aula sobre República Velha). Entretanto, por concepções religiosas (você poderia considerá-las pressupostos filosóficos), creio que a democracia no sentido que você propõe nunca existirá. Mesmo assim, defendo que devemos de algum modo trabalhar por uma sociedade (e humanidade) menos socialmente desigual e livre das pobrezas e marginalizações vergonhosas que nós perpetuamos.
    Dois tweets interessantes que vi esses dias:
    1) No botão verde da urna está escrito "confirma" e não "foda-se"
    2) O senador Cristovão Buarque citou um autor (não lembro quem) que disse que a palavra idiota vem do grego e significa "aquele que deixa a política para os outros". Mesmo com a ampla diferença da nossa realidade para o ápice ateniense clássico, acho que a idéia ainda é válida

    2 de setembro de 2010 às 07:01

  3. Daniel Moreira Safadi says:

    Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar... não vivemos, mesmo, numa democracia plena e estamos longe disso. Não há representação plena de toda a sociedade brasileira no congresso, isso é uma ilusão democrática, apesar da democracia (burguesa) consolidada que temos...porém não diria que o povo sirva como massa de manobra. A herança política que carregamos da Ditadura e dos cerceamentos políticos que o país sofreu durante anos é muito presente ainda, principalmente na descrença política. No entanto, vejo que isso, aos pouco, muda. Cada vez mais. O povo sabe o que quer, e vota consciente sim. Não com os nossos critérios (classe média, nem sempre esclarecida ahahaha), mas com seus próprios critérios, em meio a um certo desinteresse e descrença, que diminuem aos poucos, novamente reforçando. Não consigo ver uma favela (ou população) inteira como massa de manobra, mas sim como agente de um processo dentro de um sistema que entendem de uma forma: jogam com o que tem, com o que podem. Claro que podem muito mais do que fazem, mas não há força, não há referência para isso (obrigado Castello Branco, Médici, Geisel e todos os outros militares que governaram este país), não há cultura política muito forte de intervenção e participação ativa de forma maciça, mas, pelo contrário, apenas micro. Inclua aí as eleições também.

    Então, temos que tentar não cair em nenhuma das duas posições que podem resultar na percepção de um povo burro e ignorante que, de qualquer forma, não sabe votar.

    2 de setembro de 2010 às 17:30

  4. Yasmine Farias says:

    Excelente texto!
    Você deveria ser escritor!

    3 de setembro de 2010 às 13:44

  5. Yuri Costa says:

    Enquanto ficarmos nessa 'represrentatividade', não haverá democracia, só demo-cracia. Mas o afastamento do povo é um ato completamente político. Um ato de repúdio à essa política nojenta que nós temos, não só no país, mas no mundo inteiro. E o povo não tem o que merece, porque com certeza, o povo brasileiro merece muito mais. E o resto do mundo também.

    5 de setembro de 2010 às 10:37

  6. Eduardo Francis says:

    COncordo (em boa parte) contigo, meu caro amigo. Porém temos que nos lembrar que muitos povos (China, Coréia's, Irã, Iraque, Cuba [podem torcer o nariz, mas essa seleção de países tem algo em comum?]), que não tiveram a mínima instrução política em massa muitas vezes conseguiram alterar a lógica politico-economica de seus Estados. Suspeito muito da centralidade do argumento do afastamento do cenário político oficial no Brasil para desenhar nosso panorama atual... Enfim, tu me conheces ^^

    6 de setembro de 2010 às 07:45

  7. Renato

    Gostei do texto, acho que foi o seu melhor aqui no blog. Discordo que o coloquialismo tenha sido excessivo. Pelo contrário, não vejo como possível algo como 'coloquialismo excessivo', a menos que ninguém fale nada.

    forteabs hç

    10 de setembro de 2010 às 12:29