quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Favelas, Estado, crise e vidas.

Posted in by Bruno Marconi da Costa | Edit

Pretendo, a partir deste texto, expor algumas opiniões, a luz dos meus pequenos conhecimentos histórico-sociológicos, sobre o contexto de ocupação das favelas da Zona Norte do Rio. Não pretendo ser presunçoso e achar que estou dando alguma receita de bolo para resolver os problemas cariocas, mas apenas quis sintetizar aqui o que penso, e talvez levantar questionamentos aos meus leitores.

1. A favela é, historicamente, um alvo da coerção por parte do poder público. Desde suas primeiras formações, no começo do século XX, o fato de ocuparem terrenos públicos sem pagar imposto levou a vários enfrentamentos entre essas pessoas e forças de repressão. Suas origens são diversas: o processo do êxodo rural e a remoção de populações nas regiões que interessam ao Estado, principalmente da Zona Portuária, Centro e Zona Sul.

2. As favelas tornam-se objetos do tráfico internacional de drogas, de acordo com especialistas, a partir de 1985. Como eram regiões esquecidas (ou combatidas) pelo Estado, essas facções ganharam certo apoio da população a partir do provimento de serviços que o Estado não fazia questão de se ocupar, como compra de medicamentos, empréstimo de dinheiro... com isso, a população foi sendo dominada por outra força repressiva, que também espalhava o medo, junto com dedicações paternalistas - os traficantes armados até os dentes.

3. Existe, na história da formação das forças coercitivas do Estado, portanto, uma ideia comum de que favelado é um ser inferior, que não merece respeito, passível de ter seus direitos reduzidos a nada pelo fato de viverem no mesmo espaço que o inimigo. A partir disso, formam-se milhares de estereótipos que infringem diretamente artigos da constituição, contra pessoas que são vítimas do tráfico e vivem em medo. O racismo é uma delas.

4. Eu tenho, para mim, que um Estado Democrático não pode se fazer das mesmas armas que os bandidos que ele pretende combater. Costumo criticar o imediatismo das pessoas que acham que deveria matar mesmo, meter bala em traficante, invadir as casas e torturar os habitantes das favelas para conseguir informações. Eu, sinceramente, não acho que seja bem assim. Além de ser contra combater barbárie com barbárie (visto que o Estado deve ser o protetor da soberania popular), não existe "pausa" nos Direitos Humanos. Suspendê-los por um tempo pode levar a precedentes para o abuso de forças que dominam aparatos de violência.

5. Com isso não estou defendendo um laissez-faire do Estado (que já o fez bastante), e sim o respeito aos direitos das pessoas que lá moram. A ocupação tem de ser feita com inteligência E vigilância SIM da população (isso inclui os meios de comunicação, apesar do "disserviço", né BOPE?). A ocupação militar é, infelizmente, necessária. A tortura, os roubos e as humilhações não. E isso não é apenas, como pinta a mídia, questão de corrupção individual. Está, sim, relacionada à formação histórica da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

6. A ocupação militar por si só não resolverá a questão da violência no Rio de Janeiro. A raiz do problema é a miséria da população, que não dispõe de serviços básicos e nem de paz para sobreviver. Uma solução que não foi levantada em meios públicos, mas que já foi projeto (negado) para o Governo do Estado na década de 90, é a integração da favela, por parte do Estado, à malha urbana tradicional, aliado à ocupação do Estado dessas áreas. O fim da partição da cidade. Pra mim, a presença do Estado é a POTENCIALIDADE de liberdade para essa população, mas não é garantia - visto, como eu já disse, a sua formação. Para isso se concretizar, o Estado tem que respeitar as liberdades individuais de tais populações.

7. Uma outra possível solução é a formação de novas associações de moradores, politizadas porém não-partidárias. O importante, mais do que alianças políticas, é o bem-estar dessa população. A inclusão dos intelectuais acadêmicos nesse meio pode dar uma nova utilidade à academia, além de sentar em seus gabinetes escrevendo artigos para seus pares e babando ovo de seus superiores.

8. Como disse José Murilo de Carvalho em uma entrevista, essa população de favelas foi, também historicamente, isolada do processo político. Essas pessoas não vêem o voto como um mecanismo de transformação, a não ser a curto prazo por via paternalista. Talvez a partir de um movimento direto sobre uma mudança de condicionamento cultural, que levaria anos, poderíamos eleger lideranças que dão mais atenção às necessidades de sua população do que a prestígio esportivo internacional.

Enfim, acho que isso é tudo. Desculpem pelo texto imenso, tentei ainda ser sintético. São opiniões e projetos, talvez horizontes possíveis.

5 Comments


  1. Keshi says:

    Entonces...

    eu concordo com 99% do que você escreveu. Eu não escreveria melhor sobre o tema, eu faria um texto muito confuso e meio emocionado, esse tema mexe comigo e isso - escrever sob o efeito das próprias paixões excessivas - nem sempre é bom.

    O nosso único ponto de divergência, Bruno, é que ao contrário de você, a minha crença é a velha "bandido bom é bandido morto". Calma. Eu não sou daquelas que acredita que a boa é entrar na favela e metralhar todo mundo e AEAEAEAE. Por favor. Também não sou daquelas que aprova o julgamento sumário de quem quer que seja ou coisa parecida. Eu só não me importo se o bandido morrer.

    Direitos Humanos, etc etc etc, tudo completamente válido e legítimo. Também não os nego e nem critico os defensores ferrenhos dos mesmos. Mas você realmente lamentaria se soubesse da notícia que um chefe do tráfico, responsável direto e indireto pela morte (e/ou ruína) de inúmeras pessoas foi morto durante uma troca de tiros com a polícia ao invés de ser preso? Eu não. Muito pelo contrário, eu geralmente falo "menos um".

    Ninguém nasce querendo ser bandido. Como futura professora eu acredito que a Educação pode salvar (o verbo é esse) as pessoas de um futuro de marginalidade e/ou criminalidade. Eu espero, eu quero, eu REZO pra isso, de verdade. Também acredito em reabilitações. Acredito que uma pessoa possa sim, ir para a cadeia, cumprir sua pena, sair de lá e não cometer mais crimes. (Claro que é uma parcela ínfima, que o sistema prisional é vergonhoso, que essa minha posição é praticamente utópica etc etc etc)

    Só que eu não vou conseguir nunca deixar de exclamar "menos um".

    Se for preso ao invés de morrer, ótimo! Vai lá, paga seus crimes. Tenha seu direito de defesa, tudo direitinho.

    Morreu?

    Menos um.

    1 de dezembro de 2010 às 15:29

  2. Fran Becher says:

    Concordo, Bruno. Acho que você tocou nos pontos certos: é necessário muito mais do que a ocupação e a expulsão dos traficantes. O Estado tem que começar do zero, correr atrás dos anos de descaso com essa população. Olhos e ouvidos sempre abertos!

    1 de dezembro de 2010 às 15:46

  3. Zamorano

    Tirinha dos malvados:
    http://www.malvados.com.br/index1462.html

    2 de dezembro de 2010 às 13:57

  4. Unknown says:

    Concordo com boa parte do que você diz, mas ainda assim, concordo com o primeiro comentário, e você sabe disso, né? Morreu? Não tá ruim.

    porém, é bem verdade que cobrar ética de uma pessoa que mal sabe o que é isso pode ser meio injusto.

    Outro ponto que eu vejo um pouquinho diferente de você é que, apesar da circunstância juntar os dois, eu acho que o problema das favelas é um e o do tráfico de drogas é outro. O tráfico tem que ser MESMO combatido enquanto for proibido. Já as favelas, quanto a elas concordo com você.
    A princípio eu não era a favor de integrar favelas à cidade, preferia relocar as famílias, pois acho que casa tem que ter IPTU e o IPTU de São Conrado é o salário inteiro de muitos moradores da Rocinha, no entanto, dada a nossa situação, já aceitei essa proposta, desde que as coisas sejam regularizadas.

    8 de dezembro de 2010 às 04:31

  5. Marcelo Fernandes says:

    Concordo com o texto.
    abs

    27 de dezembro de 2010 às 12:41