Um vagão de Metrô no Rio de Janeiro. Não tão cheio que não se podia se mexer, mas também não tão vazio que se pudesse sentar. Estava apoiado em frente a uma propaganda de um curso de inglês qualquer quando a vi entrando por uma das portas automáticas. Se colocou quase simetricamente a mim, apoiada na parede a minha frente.
Logo após encostar-se no vagão, colocou sua mochila no chão e abriu um grande livro que trazia junto ao peito, segurado pelos braços, e começou a ler. Eu, curioso leitor que sou, inclinei-me de tal maneira - que não sei se foi suficientemente discreta - para descobrir que obra ela estaria lendo. "Don Quijote de la Mancha", edição comemorativa dos 400 anos, em espanhol, provavelmente importado. Parte de seus cabelos castanho-claros, presos em um rabo de cavalo, pendia sobre seu ombro, vestido por uma blusa social branca. Seus óculos, de uma armação vermelha e discreta, me chamaram atenção.
Concentrada, permaneceu ali. As vezes, levantava a cabeça. Não me via. Percebi que minha estação estava próxima e que deveria saltar em breve. Deixei-a com o movimento do metrô, e imaginei que deveria eternizá-la. Tentei torná-la eterna em minha mente, porque sabia que a vida não faria isso por mim. Seus cabelos castanhos embranqueceriam, seus óculos seriam diferentes, ela leria outros livros - ainda assim, não creio que ela algum dia duvide da genialidade de Cervantes - e usaria outras blusas.
Mesmo eternizada, ela nunca será a mesma. Toda vez que olho para minha memória, ela está diferente. Hoje, penso que ela nem me percebeu. Em um dia mais otimista, talvez eu pense que ela tenha reparado um exemplar de "A Idade da Razão" que eu levava embaixo do braço - mesmo que eu, na hora, não estivesse com ele. Talvez ela tivesse olhos castanhos, verdes ou até pretos.
Enfim, hoje - como ao sair do metrô - penso que, se não posso eternizar nem a minha memória, não posso eternizar nada que faça sentido em si próprio. As minhas eternidades estarão sempre em um vagão de metrô, indo em direção a um túnel vazio, que apesar de sabermos onde acaba, nunca sabemos o que encontraremos dentro dele.