Algumas semanas atrás, estava eu e meus amigos estagiários do Colégio de Aplicação/UFRJ discutindo política, como geralmente fazemos quando não estamos corrigindo provas, assistindo aula ou lendo o magnífico jornal Meia-Hora. Eis que meu caro amigo Lucas Antunes, que diz ter uma posição política de centro (e não é umbandista e nem PMDBista), afirma uma parada que me deixou meio bolado: "a política só está assim porque o povo brasileiro é do jeito que é". Concordando com a afirmação de Lucas, minha outra companheira keynesiana Taís Brito repete as palavras da mãe: "Cada povo tem o governo que merece". Fui veementemente contra as duas inferências, levantando a bola: nós vivemos REALMENTE em um Estado Democrático?
Vou ser sincero e dizer que me assustei com tal posição vindo de exímios estudantes de História. Ué, com certeza eles sabem da herança política que o Brasil sofre desde os tempos de colonização. O que precisamos é relacioná-la a atual situação política brasileira. Não precisamos ir tão longe, visto que saímos a pouco de um golpe militar que continuamente levou a população a um afastamento da participação política (que tanto ocorria da década de 50 a meados da de 70). Alexis de Tocqueville diminuiu os efeitos a Revolução Francesa, falando que o resquício aristocrático do sistema feudal nunca deixaria a democracia surgir na França, e o lugar onde encontrou tal possibilidade foi nos recém-independentes (na época) Estados Unidos da América. Ele pode ter exagerado, mas que a história de um afastamento da população em relação ao poder leva a um empecilho sócio-político de uma efetiva atuação consciente dela sobre o Estado, ah, isso não deixa de ser verdade!
O povo brasileiro tem, sim, grande percepção política. Porém, sua percepção não é a mesma de uma classe média esclarecida (como a minha, a do Lucas ou da Taís). É só ter em vista suas necessidades específicas e o abandono pelas autoridades públicas, que só recorrem a elas para ser bucha de canhão ou massa de manobra para trampolim eleitoral. Aqui no Rio isso é claro, onde a ideologia da Casa Grande (ricaços de São Conrado) e Senzala (favela da Rocinha) se mantém de uma maneira, no mínimo, sinistra. O próprio sistema (“vai, Bruno, culpa o sistema!”) controla as variadas Senzalas do Brasil por meio de currais eleitorais, compra de votos, força da mídia (e essa talvez seja a mais importante) e promessas eleitoreiras populistas, mantendo as mesmas famílias no poder, na mais velha relação paternalista que tanto conhecemos.
Sem dúvida, também, não podemos nos esquecer que o Estado é uma luta por hegemonia (valeu, Gramsci!). Citá-lo como uma homogeneidade (apesar das ideias políticas estarem descarrilhando para um pragmatismo bem vergonhoso) é uma generalidade ainda muito forte. Ainda temos partidos que seguem, parcialmente, algum tipo de ideologia, mesmo que neo-liberais ou comunistas arcaicas. Mesmo assim, falar que todas as minorias e, principalmente, a maioria, tem sua representatividade lá no congresso é não observar o que rola de verdade, nesse mecanismo safado que tem coisas ótimas mas tem muitas coisas ruins.
Eu, como todo bom marxista, sigo acreditando que não há demo-cracia (sem alusão ao DEM, por favor!) se não houver igualdade social. Um pensamento um tanto quanto fora de moda, mas como não sou de subjulgar meus ideais para seguir tendências acadêmicas da crista da onda (perdoem-me os chartienianos!), não me preocupo. Afirmar que o governo é a cara de seu povo é afirmar que vivemos em uma democracia plena, onde as pessoas votam, em toda a sua autonomia político-social, em quem elas realmente acham melhores pro Brasil, é no mínimo esquecer de toda a história política que formou esse mosaico brasileiro. Em tempos que se mistura política, que desde o século III a.C. se relaciona com debate de ideias, com marketing pessoal, podemos falar em um governo efetivamente popular? Acho que não.