quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Dentro do ônibus...

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Eu cometi uma besteira há um tempo atrás e acabei preso por sete anos. Hoje, estou em condicional. Me arrependo do que fiz, não deveria ter puxado o gatilho até saber o que acontecia, mas agora já aconteceu e eu pensava que Deus havia feito isso comigo para me castigar por causa de algum pecado que cometi.

Esse erro me atormenta até agora, pois não basta meu psicológico estar afetado: a sociedade não me aceita. Ninguém quer ter em sua pequena empresa um ex-presidiário. No começo desse mês mesmo fui aceito em uma loja de ferragens. Por três dias:

- Ulisses, o senhor não passou no teste. Terei que despedir você.

Não sabia da existência de nenhum teste. Logo perguntei:

- Senhor Luiz, o senhor sabe que o que está fazendo é crime, não?

- Crime por quê? Só porque estou despedindo você?

Relutei por uns instantes. Escolhia com cautela as próximas palavras, mas resolvi ser direto.

- O senhor sabe que sou ex-presidiário, não sabe?

- Sim, vi no computador.

- E é por isso que está me despedindo, correto?

- Não, não é por isso... o senhor não passou no teste...

- Pode falar a verdade, senhor Luiz. O senhor me pagou, não o farei mal.

Naquele momento, meu ex-patrão relutou também, mas escolheu, também, por ser sincero, como eu:

- Sim, foi por causa disso. Não posso colocar em risco minha empresa e os indivíduos que nela trabalham.

Desde então venho entrando em ônibus para pedir dinheiro para pagar meu aluguel - atrasado em quatro meses - e comida para meus filhos. Vou à Igreja todo domingo.

Um dia, em um desses pedidos dentro do ônibus, dois homens me deram, cada um, dois reais e um deles me deu um planfeto. Escrito estava o nome de uma Igreja, que agora não lembro. Não era a que eu participava, mas dei atenção para o que os homens falaram:

- Acredite em Deus. Ele é fiel a você, ele vai te dar dinheiro e saúde! Acredite no sangue de Jesus, pois ele tem poder. Acredite e Deus te dará sucesso, pois Ele é o único que pode dar ou tirar alguma coisa dos homens!

Eu realmente acreditava naquilo, até o momento que um rapaz - que já havia me dado algum dinheiro também -, provavelmente da metade da minha idade, se levantou e falou, baixinho para mim:

- Não... não acredite só em Deus. Acredite primeiro em você. Você é capaz de superar essa situação. O que está no passado não pode ser mudado, mas você pode mudar o presente para melhorar o futuro. E só você pode fazer isso na sua vida, não Deus. Ele não é fiel, quem é fiel é você! Acredite em si mesmo, nas suas escolhas, na sua capacidade de entender o mundo, e tudo vai melhorar.

Ele desceu do ônibus. E eu rasguei o panfleto.




[Sinto que o rapaz deveria ter sido eu. Esse homem realmente existiu, ele estava no ônibus que eu estava nessa quarta-feira, e me fez pensar. A história dele me tocou, e foda-se se você vai pensar "ah, mas é claro que ele está mentindo!". Era, no mínimo, verossímil.
Quem dera as coisas fossem assim... Mas não são: eu levantaria, falaria com o cara algo desse tipo, tentaria colocar o destino dele nas mãos dele mesmo e seria crucificado, simbolicamente, e com o perdão do trocadilho, por todas as pessoas daquele ônibus, quiçá do próprio ex-presidiário.
Ele não rasgaria o panfleto.
As pessoas precisam de um consolo. É o medo da liberdade. A angústia de perceber que a culpa de tudo que se escolheu e que não deu certo reside somente em si mesmo.
Mesmo assim, sinto que deixei passar nas minhas mãos uma oportunidade de pelo menos tentar abrir os olhos de alguém.]
domingo, 9 de novembro de 2008

Apenas uma frase

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Já havia decorado todas as pintas do seu corpo.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Clausura

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Uma clausura própria, e por escolha. Escolha por necessidade de arrumar as coisas e entender que diabos aconteceu. É assim que eu me sinto, preso entre as quatro paredes da minha existência as vezes tão tola a ponto de cultivar sentimentos como o medo ou o amor.

Sofro de uma prisão nauseante de incapacidade. É como se a cada dia levassem as mais importantes características do meu ser para dentro de um mar das contingências destruidoras de sonhos, usando como armas a rotina do dia-a-dia. Colocam sobre nossa mente que precisamos dançar conforme a música, mas o ritmo é em si uma tranca para um sorriso matinal.

Se for um amor ou medo quaisquer, tanto faz, no final. De uma maneira efêmera, meus sentimentos se tornam fortes para, de um lado, me decepcionar - como é o caso do amor - e, do outro, superar - o medo. Meu maior amor eu ainda não encontrei, e meu maior medo é me tornar apático. Apático a ponto de não querer mais me livrar dessa prisão, dessa solitude, que eu mesmo construi ao meu redor. A ponto de não abrir os olhos e viver uma vida medíocre.

É preciso buscar a transcendência, sempre. É preciso libertar-se, a cada dia, a cada minuto, das grades que constroem e que nós construímos para nós mesmos. E a cada libertação, novos grilhões, pois temos que ter responsabilidade sobre nossos atos e escolhas. E é aí que os sentimentos se diferem: o verdadeiro amor não é aquele que cria medo ao objeto amado ou por ele em si, e o verdadeiro medo é relacionado ao amor que você tem a certos aspectos da sua vida - seja uma causa, seja um afeto. Os dois se unem pela palavra prudência.

E talvez seja por essa prudência que me tranco em paredes ontológicas. Não quero sufocar a mim mesmo vivendo livremente e conhecendo o mundo como uma abelha descobre o que acontece quando perde seu ferrão. Preparo-me, então disputo o mundo. Destruo as fronteiras, como um casulo e como um desbravador. Ser alguém novo, o tempo todo. Essa é a nossa condição como seres livres.