Um vagão de Metrô no Rio de Janeiro. Não tão cheio que não se podia se mexer, mas também não tão vazio que se pudesse sentar. Estava apoiado em frente a uma propaganda de um curso de inglês qualquer quando a vi entrando por uma das portas automáticas. Se colocou quase simetricamente a mim, apoiada na parede a minha frente.
Logo após encostar-se no vagão, colocou sua mochila no chão e abriu um grande livro que trazia junto ao peito, segurado pelos braços, e começou a ler. Eu, curioso leitor que sou, inclinei-me de tal maneira - que não sei se foi suficientemente discreta - para descobrir que obra ela estaria lendo. "Don Quijote de la Mancha", edição comemorativa dos 400 anos, em espanhol, provavelmente importado. Parte de seus cabelos castanho-claros, presos em um rabo de cavalo, pendia sobre seu ombro, vestido por uma blusa social branca. Seus óculos, de uma armação vermelha e discreta, me chamaram atenção.
Concentrada, permaneceu ali. As vezes, levantava a cabeça. Não me via. Percebi que minha estação estava próxima e que deveria saltar em breve. Deixei-a com o movimento do metrô, e imaginei que deveria eternizá-la. Tentei torná-la eterna em minha mente, porque sabia que a vida não faria isso por mim. Seus cabelos castanhos embranqueceriam, seus óculos seriam diferentes, ela leria outros livros - ainda assim, não creio que ela algum dia duvide da genialidade de Cervantes - e usaria outras blusas.
Mesmo eternizada, ela nunca será a mesma. Toda vez que olho para minha memória, ela está diferente. Hoje, penso que ela nem me percebeu. Em um dia mais otimista, talvez eu pense que ela tenha reparado um exemplar de "A Idade da Razão" que eu levava embaixo do braço - mesmo que eu, na hora, não estivesse com ele. Talvez ela tivesse olhos castanhos, verdes ou até pretos.
Enfim, hoje - como ao sair do metrô - penso que, se não posso eternizar nem a minha memória, não posso eternizar nada que faça sentido em si próprio. As minhas eternidades estarão sempre em um vagão de metrô, indo em direção a um túnel vazio, que apesar de sabermos onde acaba, nunca sabemos o que encontraremos dentro dele.
Penelope
Gostei, Mosby =)
25 de maio de 2010 às 10:17
Mahzinha says:
Nossa, acho que esse foi o seu post que mais gostei... Lindo, consegui imaginar a tal moça lendo seu livro...
Beijos
25 de maio de 2010 às 19:46
Patricia Ogando says:
gostei
25 de maio de 2010 às 20:39
Unknown says:
Texto lindo... bem no estilo que eu costumava escrever, mas com muito mais esmero ;)
31 de maio de 2010 às 11:14
Deliane Leite says:
Olá Bruno...Adorei o retrato em crônica ou confissão pessoal...
Conheça meu blog:
http://geografiadodesejo.blogspot.com/
Abraços poéticos do cerrado...
Deliane.
31 de maio de 2010 às 13:51
Céu do Entardecer says:
Q lindo !!
Está perfeito...adoro a forma como põe sentimento nas palavras.
É tão frustrante qdo tentamos segurar uma lembrança e ela vai se apagando aos poucos...mas vc conseguiu...
Pelo momento eternizado,
Perpetuado
- No instante.
Escrever é eternizar um momento.
beiJU
8 de junho de 2010 às 06:45
Anônimo
bateu uma punhetinha né safado!!
26 de junho de 2010 às 20:53
Pri Carvalho says:
Muito bom o texto, gostei parabéns!
28 de julho de 2010 às 08:55
atos cotidianos says:
Tb escreve de forma diferente.... vÊ la.
28 de julho de 2010 às 09:01