Re-lendo La Vida es Sueño, do Calderon de la Barca, me pus a refletir o monólogo de Segismundo, logo na primeira cena da peça (que aqui podemos ler e assistir a uma ótima performance de Dan Stulbach, o Tom Hanks brasileiro). Só me fez ter a certeza de acreditar que, se fomos feitos por alguma divindade, e ela nos imprimiu algum propósito na alma, no coração, na mente e no espírito, constituindo assim uma essência universal humana (no caso, pecadora)... não somos livres.
Sigismundo se compara a uma ave, a uma fera, a um peixe e a um riacho. Levanta a questão de uma liberdade relativa, ou seja, levando em conta que alguns seres a possuem mais que outros. Ele não percebe, devido, talvez, a sua crença em Deus Cristão, que é a sua própria capacidade de escolha que lhe dá a liberdade que tanto procura. Não tem a amplitude dos céus, da mata ou das águas, mas ainda assim, pode escolher ser o que quiser, dentro de suas limitações. Aí, Segismundo, está a sua liberdade plena, humana. Pois, não sendo criados por nada (como uma tesoura ou qualquer outro objeto com alguma razão de existir), somos trans-criados por nós mesmos.
É evidente, porém, que tal liberdade não é e nem pode ser absoluta. Um ser humano não pode ser nada além de um ser humano. Porém, nossa vida não é pré-estabelecida por contingências instintivas de uma essência biológicas, como uma ave, fera ou peixe, nem por determinações geológicas, como um rio. Não, Segismundo. Nossa capacidade de refletir e de escolher nos diferencia de tudo isso, e, estando nela a liberdade, a buscamos, transformando cada escolha em um aspecto da formação da nossa transmutável e humana essência.
Porém, essa "essência", adquirida em vida, nos faz agarrar a certas escolhas que muitas vezes distanciam-se da busca de uma maior liberdade individual. Tais liberdades nós suprimimos para bem viver em meio social (visto que não somos Tarzans, bons-selvagens individualistas). A negação de tais liberdades de escolher por si só o que ser e o que estar, de maneira fluida, leva-nos a uma integração complexa e misteriosa formada por princípios (que, por não sabermos exatamente suas origens, muitas vezes atribuimos a ele alguma divindade, que pode ser Deus, ou o ser que VEJA alguns tipos de ciência...). Creio que aí está grande parte de uma angústia que podemos sentir com intensa voracidade: a distância entre a vontade passional, a maior delas, de ser livre e a prudência de manter-nos ligado a convenções que a nossa própria existencia nos faz criar com nos pares.
Então, Segismundo, qual vai ser? Abraçará sua liberdade humana, limitada em suas escolhas, ou se segurará à crença de que é pecador e inferior, vendo nos pássaros uma liberdade que você não pode ter e nunca terá? A escolha cabe a você. E toda a responsabilidade sobre suas consequências também.
Florencia says:
Ler esse comentário só me faz ter mais vontade de ler e re-ler esse clássico da literatura "hispana".
Questionamentos sobre a liberdade -relativa e limitada pela nossa própria essência- e a belíssima análise do ambiente me fazem rever conceitos e ponderar valores impostos por nos mesmos.
Interessante seu post! não só pela forma como esta escrita, mas por relembrar esse livro maravilhoso que, quase sempre, é esquecido.
21 de setembro de 2012 às 11:54