Pretendo, a partir deste texto, expor algumas opiniões, a luz dos meus pequenos conhecimentos histórico-sociológicos, sobre o contexto de ocupação das favelas da Zona Norte do Rio. Não pretendo ser presunçoso e achar que estou dando alguma receita de bolo para resolver os problemas cariocas, mas apenas quis sintetizar aqui o que penso, e talvez levantar questionamentos aos meus leitores.
1. A favela é, historicamente, um alvo da coerção por parte do poder público. Desde suas primeiras formações, no começo do século XX, o fato de ocuparem terrenos públicos sem pagar imposto levou a vários enfrentamentos entre essas pessoas e forças de repressão. Suas origens são diversas: o processo do êxodo rural e a remoção de populações nas regiões que interessam ao Estado, principalmente da Zona Portuária, Centro e Zona Sul.
2. As favelas tornam-se objetos do tráfico internacional de drogas, de acordo com especialistas, a partir de 1985. Como eram regiões esquecidas (ou combatidas) pelo Estado, essas facções ganharam certo apoio da população a partir do provimento de serviços que o Estado não fazia questão de se ocupar, como compra de medicamentos, empréstimo de dinheiro... com isso, a população foi sendo dominada por outra força repressiva, que também espalhava o medo, junto com dedicações paternalistas - os traficantes armados até os dentes.
3. Existe, na história da formação das forças coercitivas do Estado, portanto, uma ideia comum de que favelado é um ser inferior, que não merece respeito, passível de ter seus direitos reduzidos a nada pelo fato de viverem no mesmo espaço que o inimigo. A partir disso, formam-se milhares de estereótipos que infringem diretamente artigos da constituição, contra pessoas que são vítimas do tráfico e vivem em medo. O racismo é uma delas.
4. Eu tenho, para mim, que um Estado Democrático não pode se fazer das mesmas armas que os bandidos que ele pretende combater. Costumo criticar o imediatismo das pessoas que acham que deveria matar mesmo, meter bala em traficante, invadir as casas e torturar os habitantes das favelas para conseguir informações. Eu, sinceramente, não acho que seja bem assim. Além de ser contra combater barbárie com barbárie (visto que o Estado deve ser o protetor da soberania popular), não existe "pausa" nos Direitos Humanos. Suspendê-los por um tempo pode levar a precedentes para o abuso de forças que dominam aparatos de violência.
5. Com isso não estou defendendo um laissez-faire do Estado (que já o fez bastante), e sim o respeito aos direitos das pessoas que lá moram. A ocupação tem de ser feita com inteligência E vigilância SIM da população (isso inclui os meios de comunicação, apesar do "disserviço", né BOPE?). A ocupação militar é, infelizmente, necessária. A tortura, os roubos e as humilhações não. E isso não é apenas, como pinta a mídia, questão de corrupção individual. Está, sim, relacionada à formação histórica da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
6. A ocupação militar por si só não resolverá a questão da violência no Rio de Janeiro. A raiz do problema é a miséria da população, que não dispõe de serviços básicos e nem de paz para sobreviver. Uma solução que não foi levantada em meios públicos, mas que já foi projeto (negado) para o Governo do Estado na década de 90, é a integração da favela, por parte do Estado, à malha urbana tradicional, aliado à ocupação do Estado dessas áreas. O fim da partição da cidade. Pra mim, a presença do Estado é a POTENCIALIDADE de liberdade para essa população, mas não é garantia - visto, como eu já disse, a sua formação. Para isso se concretizar, o Estado tem que respeitar as liberdades individuais de tais populações.
7. Uma outra possível solução é a formação de novas associações de moradores, politizadas porém não-partidárias. O importante, mais do que alianças políticas, é o bem-estar dessa população. A inclusão dos intelectuais acadêmicos nesse meio pode dar uma nova utilidade à academia, além de sentar em seus gabinetes escrevendo artigos para seus pares e babando ovo de seus superiores.
8. Como disse José Murilo de Carvalho em uma entrevista, essa população de favelas foi, também historicamente, isolada do processo político. Essas pessoas não vêem o voto como um mecanismo de transformação, a não ser a curto prazo por via paternalista. Talvez a partir de um movimento direto sobre uma mudança de condicionamento cultural, que levaria anos, poderíamos eleger lideranças que dão mais atenção às necessidades de sua população do que a prestígio esportivo internacional.
Enfim, acho que isso é tudo. Desculpem pelo texto imenso, tentei ainda ser sintético. São opiniões e projetos, talvez horizontes possíveis.